As pessoas estão utilizando muito mais medicamentos nos dias atuais. E isto tem ocorrido por diversos fatores. Um destes, é o maior acesso aos serviços de saúde, devido a políticas públicas e por conta de alguns avanços sociais e econômicos. O acesso aos medicamentos também está mais fácil. Há farmácias ou drogarias em cada esquina, e até mesmo aquelas que atendem pela internet. Além disto, promoções e propagandas induzem a aquisição de medicamentos como meros produtos de consumo. Ainda, há de se considerar o aumento da expectativa de vida da população. Quanto mais uma sociedade envelhece, mais ela precisa de medicamentos para conviver com as doenças crônicas com qualidade de vida.
O uso simultâneo de dois ou mais medicamentos é denominado como “polifarmácia”. Esta prática tem, primariamente, o propósito de cuidar da saúde do paciente. Mas também pode provocar danos importantes, se for praticada de forma irracional ou não acompanhada por profissional habilitado. Os principais problemas decorrentes da prática da polifarmácia são as reações adversas aos medicamentos e as interações medicamentosas.
As interações medicamentosas são muito mais comuns e frequentes do que muitos profissionais acreditam. É fato que algumas das interações que ocorrem entre medicamentos não têm importância clínica significativa. Portanto, estas situações não exigem acompanhamento, nem tampouco alguma intervenção clínica.
Entretanto, muitas interações medicamentosas podem causar danos importantes à saúde das pessoas. Principalmente naquelas que utilizam medicamentos de forma contínua, para doenças crônicas, e que têm idade igual ou superior a 65 anos. Vale lembrar que este público consiste na maioria das pessoas atendidas pelas farmácias e drogarias. Também representa um grande número das internações hospitalares.
Diversos estudos publicados já demonstraram exaustivamente a importância clínica das interações medicamentosas. Tanto indicando sua ocorrência e prevalência, quanto os seus prejuízos para a saúde pública em geral. Portanto, sejamos realistas em admitir: as interações medicamentosas ocorrem frequentemente no nosso dia-a-dia, e são bastante importantes!
Muitos farmacêuticos têm receio de tratar deste assunto. Isto porque sentem-se inseguros para atuar diante das interações medicamentosas. Antes de identificar uma eventual interação em seu curso, o mais importante é prevê-la e evita-la. Isto deve acontecer no processo de seleção do medicamento a ser prescrito. Quando a interação já está ocorrendo, é necessário identifica-la e decidir pela melhor estratégia de cuidado. Mas para isto, o profissional precisa aplicar conhecimentos muito específicos. Principalmente nas áreas da farmacologia, toxicologia, bioquímica, química medicinal e semiologia. Somente com a aplicação destes conhecimentos, por meio do raciocínio clínico, é possível tomar a decisão mais correta e segura para o manejo de uma interação medicamentosa.
Mas por que muitos farmacêuticos ainda se sentem inseguros para manejar as interações medicamentosas? Esta é uma pergunta com diversas respostas possíveis. Algumas são:
O fato é que, seja qual for esta resposta, ela não exime o farmacêutico da sua responsabilidade social de atuar como referência diante das interações medicamentosas. É o farmacêutico o profissional especialista em fármacos e medicamentos. E por isto, deve aplicar suas habilidades e competências para prevenir, identificar, manejar e solucionar os casos de interações medicamentosas na prática clínica.
Compete ao farmacêutico avaliar se precisa desenvolver estas habilidades e competências, para atuar de forma segura e eficiente diante destas condições. Esta é uma responsabilidade ética que não pode ser ignorada. Principalmente se considerarmos a realidade atual do uso dos medicamentos e os possíveis riscos do seu uso irracional à população.
O maior erro que os farmacêuticos cometem, neste tema, é tentar “decorar” ou “gravar na memória” os possíveis casos de interações que ocorrem na farmacoterapia. As possibilidades de interações entre fármacos são infinitas! Sem considerar as possibilidades de interações com alimentos, fitoterápicos e outras substâncias, como o álcool, por exemplo. Portanto, não há como saber ou decorar todas as possibilidades. E ainda, este comportamento não permite avaliar, de forma clara, a importância clínica da possível interação.
A forma mais adequada para se tornar um verdadeiro especialista em interações medicamentosas é conhecer os mecanismos pelas quais elas acontecem. Conhecendo estes mecanismos e as propriedades dos fármacos envolvidos, todo farmacêutico é capaz de prever, identificar, manejar e solucionar qualquer caso de interação entre medicamentos. Ou destes com alimentos e outras substâncias.
De um modo geral, as interações medicamentosas ocorrem por mecanismos farmacêuticos, farmacocinéticos ou farmacodinâmicos. Entender os aspectos diferenciais destes mecanismos, e como eles ocorrem, permite ao profissional exercer o raciocínio clínico com maior precisão e assertividade. Decorar ou gravar mentalmente possíveis situações de interações não favorece a resolução de problemas e limita o profissional a poucos possíveis casos.
A realidade das interações medicamentosas requer profissionais de atitude e iniciativa. Farmacêuticos que reconheçam quais habilidades e competências precisam desenvolver para atuar de forma segura e resolutiva nestas situações. Somente farmacêuticos com postura e conduta clínica são capazes de atuar nesta frente.
Por Lincoln Cardoso, farmacêutico e professor
Link original da matéria: http://farmacosophia.com.br/2017/03/16/por-que-os-medicamentos-nao-funcionam/